Paes usa a Cultura como troco

Tanto Paes quanto Jandira já são versados na arte da contradição entre palavras e atos. Mudam de aliados e inimigos de uma semana pra outra, pois crêem que os fins justificam os meios. Os fins, nesse caso, correspondem exclusivamente ao acesso a mais uma dose do viciante poder, exercido através de uma dotação orçamentária, não importa qual.
Não podemos nos permitir enquanto cidadãos receber com naturalidade a afirmação de Jandira de que desejaria "uma secretaria com viabilidade econômica" e ponto. A tradução última dessa lógica predatória é a seguinte: não lhe importa a secretaria, o que importa é a grana.
Jandira tem intimidade nenhuma com a Cultura. E sua fulgurante ignorância a respeito do assunto já se faz patente nas primeiras declarações, como demonstra a afirmação de que os proprietários de imóveis incluídos nas Apacs não os podem vender. Há um ato-falho embutido nessa gafe. Os imóveis obviamente podem ser vendidos, mas deixam de interessar às construtoras, que naturalmente gostariam de espetar em seus lugares novos grandes espigões em bairros já completamente saturados.
Jandira não entende ou finge não entender (não se sabe o que é pior) que a Apac não é um instrumento exclusivamente cultural, mas também tem papel fundamental no ordenamento urbano. E mais: os traços arquitetônicos da cultura não se revelam exclusivamente na antiguidade das construções, mas também nas suas dimensões e formas de integração com o espaço público. Uma cultura em extinção está representada no pequeno prédio com apartamentos térreos, outra se faz sentir naqueles se isolam das ruas por três ou quatro andares de garagens de concreto.
Jandira revela, já no seu primeiro dia servindo-se do poder, que pretende usar um casuísmo semântico (a palavra cultura na sigla Apac) para beneficiar os interesses da especulação imobiliária, desprezando por incompetência ou má fé a natureza interdisciplinar das Apacs.
É muito triste constatar que a pasta da Cultura, considerada sempre secundária pelos políticos tradicionais, é usada mais uma vez como troco no balcão de negócios da barganha política, impondo à cidade pesadas perdas de longo prazo em favor de mesquinhas vantagens de curtíssimo prazo.